quarta-feira, 2 de junho de 2010

Coisas

As coisas são tantas. Tantas as coisas. Infinitas as coisas. A que nos agarramos. Ou melhor, que deixamos que nos agarrem. Alto lá! Isso é pouco. As coisas prendem-nos. Coisas. O telemóvel. O computador portátil. A Playstation. A Nespresso. O automóvel do ano zero quilómetros. As sapatilhas da moda. O relógio que marca o tempo. A roupa de marca. A máquina fotográfica digital. Os óculos de sol. Os copos de cristal que só se usam no Natal. Os talheres de prata que nunca serão usados. A aliança no dedo. O registo de propriedade... E vendo-me eu como uma prostitua barata às coisas. Que não me fazem falta alguma. Que me prendem ao chão e me impedem de voar. Que me roubam o tempo. Quem me distraem a mente. E eu que faço? Revolto-me? Corto as correntes das coisas que me amarram? Nem pensar! Deixo as coisas estar como estão. E escrevo este textinho de merda para me sentir melhor comigo mesmo....

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Paris em dois dias

São 8h00 da manhã quando chego ao aeroporto Francisco Sá Carneiro. Detesto viajar de avião, mas não tenho escolha. O destino é Paris. Deveria estar entusiasmado com a viagem mas a verdade é que o meu estado é de completa indiferença. Talvez esse estado se deva ao motivo da viagem. Vou visitar um familiar que está hospitalizado em estado de coma, logo o meu espírito não é, nem pode ser o melhor. Após despachar a bagagem no check in, passo pela segurança do aeroporto. Sou tratado como um terrorista. Um membro da segurança revista-me da cabeça aos pés (até os sapatos descalcei!). Sem surpresas passo com distinção nesse acto de prevenção! Entro no avião e acomodo-me no meu lugar. O avião começa a sua marcha em direcção à pista. Quando chega ao início da pista ouve-se a voz do comandante “décollage” e o avião acelera a uma velocidade tremenda que fico colado ao banco. Sinto de seguida que já não existe contacto com o solo. Estou a voar! Durante a viagem para me distrair vou lendo um livro. Chego a Orly passadas duas horas. Nunca antes tinha estado em Paris. A estadia é curta, de sábado até segunda-feira de madrugada. Tenho um conhecido à espera, à saída do aeroporto para me levar de carro ao apartamento onde vou ficar instalado. Confesso que se pudesse escolher, teria preferido fazer essa viagem de transportes públicos para desde logo começar a sentir a cidade. Por outro lado o tempo é curto e está contado, e tenho de ir para o hospital o quanto antes. Fico instalado muito perto da Torre Eiffel, no outro lado do rio Senna ao lado do Trocadéro. Entre as viagens ao hospital, perto da Gare d`Austerlitz, mais concretamente em frente à estação de metro Chevaleret, apenas me sobra o sábado à noite e o domingo de tarde para sentir o pulsar da cidade. Apesar da situação é a minha primeira vez em Paris e tenho de aproveitar. Passo o sábado à noite no Quartier Latin. Janto num pequeno restaurante na Rue Mouffetard. O ambiente é boémio e sinto-me em casa. Existe uma mescla de pessoas à minha volta que nunca tinha presenciado, como se todas as raças e estilos de pessoas tivessem marcado encontro no mesmo lugar. Fico completamente atraído por essa mistura de gente e sinto-me mais um no meio daquela multidão. Após um passeio pelo quarteirão regresso ao apartamento. Estou exausto e caio redondo na cama. De manhã como um pequeno-almoço reforçado. De seguida atravesso rio em direcção à Torre Eiffel. Sempre imaginei como seria estar na presença de um monumento tão imponente, mas o que senti foi completamente diferente do que tinha imaginado. Não me senti pequeno, isto apesar de a Torre ser muito mais alta do pensava. Dou por mim debaixo da montanha de ferro com ligações complexas e simétricas. Como tenho o tempo contado decido não subir ao cimo e parto em direcção ao local que sempre quis visitar em Paris. Apanho o metro e saio em Charles de Gaulle-Étoile. Quando saio do tubo, sinto uma emoção impossível de descrever. Se já tinha ficado impressionado com a imponência da Torre de ferro, o Arco do Triunfo deixa-me estático. Aquela rotunda que é enorme, fica minúscula, passa despercebida. Os meus olhos estão colados naquela porta que representa a glória e vitória. Consigo sentir a quantidade infinita de pessoas que já ali passou. Decido descer os Campos Elísios. Todas as lojas possíveis e imaginárias estão ao dispor nessa avenida. Quando chego à Praça da Concórdia, com o seu Obelisco no meio e com vista para a Assembleia Nacional, são horas de voltar ao hospital…Nessa madrugada regresso ao Porto. Na viagem de regresso sinto que apenas o meu corpo está dentro do avião. A minha alma tinha ficado para trás, na cidade luz. Hoje sei que ela já voltou a habitar o meu corpo. Sei porque sinto uma vontade enorme de regressar a Paris, para uma visita prolongada e com um espírito e ambiente mais felizes. Só estando lá para entender o poder de atracção que a cidade tem sobre as pessoas. Quero ver o Louvre por dentro. Quero-me perder em Paris…
Dado à preguiça, sentado num sofá que não o meu sou apanhado de surpresa. O sofá preto, em pele, é ergonómico, perfeito, como se tivesse sido feito à minha medida. No entanto não se trata do meu sofá. A divisão onde me encontro tem paredes pintadas de vermelho. Não tem uma porta ou uma janela. Apenas o sofá individual e duas estantes cheias de livros. Entro em pânico. Procuro a porta de saída mas em vão. Estou preso, numa pequena biblioteca. Remexo em todos os livros de ambas as estantes na esperança de encontrar uma porta secreta, daquelas que vemos nos filmes quando o protagonista está encurralado e acerta sempre à primeira no livro que ao ser puxado revela a passagem da sua salvação. O chão que piso é feito de mármore. O tecto pintado de preto. E nenhum livro me dá a passagem que pretendo. Tudo permanece no mais absoluto sossego. Consigo ouvir o bater do meu coração e o meu respirar. Conformo-me. Sento-me no sofá novamente. Tento-me lembrar de como fui ali parar. A última recordação que tenho é de me deitar na minha cama depois de um duche de água quase a ferver. Quando acordei já aqui me encontrava deitado ao ócio. Num ápice, as minhas pernas levam-me novamente até às estantes carregadas de livros. Agora que observo os livros com atenção, reparo que nenhum tem título. As capas são todas iguais, de cor branca. Fecho os olhos e escolho um livro à sorte. As pernas levam-me de volta para o sofá. Abro o livro numa página à sorte. Não pode ser! O meu nome aparece em letras enormes no topo da página. Abaixo está uma mensagem para mim:



Olá Basílio!


Este espaço onde te encontras fica dentro de ti. Para poder deixar esta mensagem tive de fazer o mesmo que tu. Não importa quem sou. Bem sei que vais tentar desvendar quem sou mas aviso que é tarefa impossível. O que te quero dizer é que mesmo num espaço tão pequeno como este podes-te perder e nunca mais regressar. Esquece o conforto da rotina e atrai a mudança sem medos. Não tenhas medo de te perder por te aventurares por novos caminhos. Às vezes é no desconhecido que nos encontramos, que percebemos quem somos…agora fecha o livro, senta-te e coloca-o no teu colo.



Assim fiz. Adormeci automaticamente. Quando acordo estou de novo na minha cama. São 7:30. O trabalho espera por mim…

Introdução ao Caos


Acendo mais um cigarro. Paro o meu olhar na nuvem de fumo que se forma. Nunca é igual. O fumo propaga-se sempre de forma aleatória e diferente. Nunca se repete. Mas os cigarros são todos feitos da mesma forma, na mesma máquina, com o mesmo tabaco…a mesma causa com consequências diversas e únicas. Uma vez disseram-me que o fumo do cigarro representa a teoria do caos. Nessa altura não percebi essa conclusão. E continuo sem saber nada da teoria do caos. Quanto a viver no meio do caos a coisa muda de figura. Se tivesse de comparar o meu estilo de vida com algo, só poderia escolher esta nuvem de fumo que não sabe para onde vai. Que não sabe como se propaga mas que tem a certeza que o tem de fazer. Ao sabor do vento. Para onde nos levará ele? Será que podemos escolher para que direcção o vento sopra na nossa vida? Poderemos decidir para que lado queremos que a nossa nuvem vá? Ou sequer teremos a possibilidade de simplesmente parar o vento e estacionar a nossa nuvem numa confortável garagem? Gostaria de acreditar que sim. Em certa medida, podemos traçar planos. Não é isso que quase todos nós fazemos? Mas quantas vezes se realizam como o planeado? A vida é tão imprevisível como o próximo cigarro que acender. Então, assim como o fumo do cigarro que se esvanece na primeira janela ou porta que abre, levo a minha nuvem ao sabor do vento, mas sempre atento ao que o acaso me trás, às portas que se abrem e às que se fecham. Se não posso soprar pelo vento, ao menos posso conhecer a diversidade que ele me dá. Ao Criador, se é que ele existe, quero agradecer o caos em que tornou a nossa existência. Agradecer o imprevisível. Agradecer por todas as pessoas que ainda vou conhecer por acaso. Agradecer as manhãs em que adormeço e me atraso. Agradecer a minha má disposição num dia de sol. Porque de contrário eu não passaria de um comboio que faz sempre o mesmo trajecto e que pára sempre nas mesmas estações. Tenho para mim que se assim fosse, ao final da primeira ronda certinha e dentro dos carris como está pré definido, me cansaria de aqui estar…

Bilhete de Identidade

Setenta anos e a mesma folha em branco. Setenta anos e o mesmo bloqueio mental de quem quer escrever tudo e não revelar nada. Pois bem…esta folha já não está em branco. Para os que lêem este texto, a última frase não passou de uma conclusão óbvia, para mim toda ela é dúvida. E esta é a única introdução à minha vida, que a minha memória e o meu talento permitem.

Fico pasmado quando vejo biografias de altas personalidades com mais páginas que a lista telefónica! Já a minha conta apenas os meus fantasmas, pois ela só serve para que me possa libertar deles. Não me recordo de datas, somente sensações…imagens…e de que aproveitei o amor, quando me tocou a minha parte. Fui criado em casa das minhas avós. Ainda tive o prazer de crescer na rua com os meus amigos de sempre. Até aos doze anos o meu ser resumia-se a ser o melhor em tudo. O melhor aluno. O melhor a jogar à bola. O que namorava com a menina com quem todos os outros queriam namorar (se é que se pode chamar de namoro a uns beijinhos mais do que inocentes, ingénuos). Tudo corria pelo melhor e eu fui feliz. Não é à toa que se diz que o pateta é feliz…Não tive irmãos. Ou melhor, tive os meus irmãos das brincadeiras de rua. Não tive abundância material. Mas joguei todos os jogos possíveis e imaginários. Mais do que isso, participei nesses jogos como um dos actores principais. Senti a alegria de marcar um golo. A sensação de sucesso quando durante a semana conseguíamos juntar moedas para um gelado depois do almoço de sábado. Para de seguida passar a tarde a jogar às Escondidas e ao Estica. Senti a crueldade infantil de acertar com a bola num colega, enquanto jogava ao Mata. E a frustração de estar eu encostado à parede a levar com a bola. Mas no fim do dia, estava feliz. Dormia, sonhava, acordava. A vida parecia não ter fim. E lembro-me da minha mãe. Do orgulho com que chegava a casa quando voltava de uma reunião de pais na escola. E das vezes em que ela chorava. Se há imagem com que fiquei foi essa – a minha mãe a chorar.


Na adolescência, como para quase toda a gente, descobri que namorar podia e devia ser mais do que uns beijinhos ingénuos. O meu corpo mudou, mas mais do que o corpo a mente. Cresci de forma abrupta. Até hoje não sei bem como. Mas aconteceu. De um momento para o outro fiquei a ser mais ou menos a pessoa que sou agora. Pelo meio um devaneio pelo mundo louco da juventude. As muitas amigas coloridas. As noites sem ir a casa. As noites que o álcool apagou. Os charros que fumava em conjunto e as farras adjacentes. Os charros que fumava sozinho com os Queen, os Pink Floyd e o Tecno como companhia. Os longos fins-de-semana em que nos juntávamos e colávamos selos de ácido em conjunto. Os concertos Rock. Eu em comunhão com o mundo. A felicidade inicial tinha dado lugar à euforia. A inocência dera lugar ao sentimento de poder. E a minha mãe…que foi feito dela durante este tempo que não me consigo recordar?

À medida que a idade adulta se começava a mostrar, o interesse pelo prazer fácil que a droga proporcionava foi diminuindo. Lentamente desapareceu. Ao contrário, o interesse pelas mulheres evoluía. E de forma desmedida. As miúdas não passavam de um jogo que no fundo me lembravam os jogos de infância. E o prazer desses jogos não era o seu fim, mas sim a participação. A partilha. O todo a ser mais do que a mera soma das partes. O jogo da sedução. Assim que elas caiam o interesse morria. A seguir só restava a angústia que me trazia de pé. O trabalho nunca passou de trabalho. Quando muito, por vezes mudava de lugar e de nome. E a minha mãe que já não chorava. Ou eu não via com a regularidade devida? Ou ela escondia o seu chorar?

Ternura dos quarenta. Se fumava um charro adormecia! As mulheres começaram a perder o seu encanto e a ganhar o meu desinteresse. E o Amor. As noites que dormi, sonhei e acordei a seu lado. E a minha filha. As noites em branco com ela ao colo. Ela a chamar-me “ Pai “. De seguida eu próprio deixei de despertar qualquer interesse. O trabalho continuava um trabalho para mim, até há cinco anos atrás. A minha mãe? Já era avó. E mostrava o seu sorriso.


Algures no Universo, 09 de Setembro de 2050

Se me perguntais de que me recordo, posso-vos falar de Amor. Mas nunca vos vou conseguir dizer o que é. Ou como acontece. Sei que o tenho comigo. As melhores perguntas são assim. Quase nunca têm resposta. O segredo da vida está em fazer a pergunta certa na hora exacta. É tão simples quanto isto. Quanto ao resto? As mulheres são um bicho que desconheço. O trabalho continua um trabalho, só que agora só para os outros! Tenho a Chuva, o Sol, a Lua, o Vento e as Estrelas só para mim. E várias páginas em branco para escrever uma biografia do tamanho de uma antiga lista telefónica. A minha mãe? Para vós já não existe. Vive agora dentro de mim. Finalmente eu choro…durmo, sonho e vou acordando o melhor que há em mim.




Basílio Patrão
Setembro de 2008